“Se os habitantes do bairro dos Jardins, em São Paulo, migrassem para Guariba, no Piauí, a primeira providência seria estabelecer uma urbanização adequada, água encanada, coleta de esgotos e de lixo, para a qual não faltaria grupo econômico interessado em investir, uma vez que a população poderia pagar.”
Aldo Rebouças
Aldo Rebouças
AULA 3: ÁGUA:O FUTURO PODE MORRER DE SEDE[1]
FALTA DE ÁGUA OU FALTA DE VONTADE POLÍTICA?
A água não vai acabar assim tão fácil. Mas o estrago que a sua ausência provoca na vida de milhões de pessoas é definitivo. Por isso, é importante considerar a diferença entre falta de água e a falta de acesso a ela. Uma diferença essencial porque tem muita gente vivendo a escassez a poucos quilômetros de fontes abundantes. Ou seja, água existe. Temos de rapidamente nos estruturar para ter acesso a ela.
Contabilizamos 1,2 bilhões de pessoas sem à água e 2,5 bilhões que vivem sem nenhuma espécie de rede de esgoto – condição que resulta na morte de 25 mil pessoas por dia por causa das doenças associadas à má qualidade de água. Esse fato se torna completamente insano, senão pelo bem mais precioso que é a vida humana, por cálculos feitos pela UNESCO que comprovam ser mais barato para todos os países suprir suas populações com água de boa qualidade e saneamento do que pagar as contas dos estragos com saúde pública. Os mais variados estudos já comprovaram uma diminuição em até 70% das doenças relacionadas com a água em populações com acesso a água potável e saneamento.
SAÚDE, UMA LOUCURA!
É assustador pensar sobre isso! Tanto pela soma absurda de mortes causadas por doenças relacionadas à contaminação da água – 205 por hora em todo mundo – quanto, e principalmente, pelo fato de que isso poderia ser evitado com o acesso das populações à água potável, saneamento básico e ao tratamento das águas.
O Programa Ambiental das Nações Unidas informa que a metade dos leitos hospitalares em todo mundo é ocupado por portadores de doenças causadas pelo uso de água imprópria.
TESOUROS SOB A TERRA:
O planeta Terra tem muita água. 1,386 bilhão de quilômetros cúbicos desse recurso estão entre nós sabe-se lá a quantos milhares de anos. 2,5% desse volume, 35 milhões, totalizam a água doce. Tiramos 24,4 milhões em geleiras e o que sobra fica a disposição para o uso da humanidade, 0,3% ou 10,6 milhões de quilômetros cúbicos. Ainda assim continuamos com muita água!
A água que nos interessa está em lagos, rios, zonas úmidas e debaixo da terra, nos lençóis freáticos ou aqüíferos. Temos 10,5 milhões de quilômetros cúbicos de água nos subsolos, e apenas 135 na superfície. O Brasil possui uma reserva substancial dessas reservas naturais, 15% de toda a água da Terra, e o maior fluxo de água do mundo.
O Aqüífero Guarani que está no subsolo de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, é o maior reservatório de água doce do mundo.
REDESENHANDO A NATUREZA:
Grande parte dos recursos hídricos foi modificada e na lista dos agentes transformadores estão os inúmeros processos desenvolvidos pelo homem, principalmente a partir da revolução industrial. Para garantir o abastecimento nas várias áreas ele represou os rios, implantou métodos de irrigação, perfurou poços, retirou quantidades imensas de água para alimentar a indústria, a agricultura e os centros urbanos.
O surto das represas também foi outro fator determinante na transformação da paisagem natural. O Conselho Mundial de Água calculou a existência de 800 mil reservatórios e represas, grandes e pequenos, em todo o mundo. Construídas com o objetivo de gerar energia e armazenar água de abastecimento, as represas interferiram no trajeto de 60% dos rios mais importantes do mundo. Na época da febre das construções, década de 1990, 80 milhões de pessoas foram deslocadas. Combatidíssimas por ambientalistas, as represas são acusadas de destruir importantes ecossistemas.
QUEM GASTA MAIS ÁGUA:
A agricultura consome 70% da água disponível no planeta, enquanto a indústria fica com 21% e o uso doméstico 9%.
Chama-se desperdício não a água que cai pelo ralo, mas aquela que nem chega às torneiras. No Brasil há 47% de desperdício de água potável destinada ao consumo humano por causa da má conservação dos canos e redes clandestinas. Tal volume daria para abastecer de três a quatro países com a mesma demanda da Suíça, da França ou da Bélgica.
Dos 70% de água consumidos pela agricultura, podemos calcular que a metade é desperdiçada no processo de irrigação, que lança ao solo uma quantidade de água incapaz de ser absorvida por ele. Normalmente os agricultores utilizam a irrigação intensiva porque ela produz várias colheitas ao ano. Mas a saturação do solo pela água provoca a salinização e com o tempo as colheitas tornam-se empobrecidas. Os agricultores, então, para revitalizar o solo, utilizam maiores quantidades de produtos químicos, agravando o quadro de poluição. Estabeleceu-se um ciclo vicioso que só termina com a esterilidade do solo.
É preciso observar ainda que as águas desprezadas no processo de cultivo e irrigação retornam aos rios e aqüíferos carregadas de produtos químicos.
ISRAEL x NORDESTE:
“Um pernambucano dispõe, em média, de mais água do que um alemão. O baiano tem potencial hídrico equivalente ao francês. Um piauiense dispõe de tanta água quanto um norte-americano. Mas a realidade aponta um consumo por habitante, na região nordestina, inferior a 10% do potencial de água dos rios, enquanto nos países um pouco mais desenvolvidos essa porcentagem está entre 24% e 92%.” (Aldo Rebouças, geólogo). Motivo da falta de água para a população? Político, sem dúvida.
Em condições climáticas semelhantes ou ainda mais críticas que as nossas, os israelenses se notabilizaram pela forma com que equacionaram a questão do abastecimento e pela aplicação de técnicas de irrigação que transformaram a agricultura de Israel em uma das mais desenvolvidas do mundo.
Foram os avanços tecnológicos – em parceria com as universidades – que permitiram a Israel reutilizar efluentes domésticos e industriais na agricultura e no recarregamento artificial do aqüífero.
PARA CASA (01/03): Um dos assuntos mais discutidos nos últimos anos no Brasil tem sido o da transposição do Rio São Francisco. Pesquise sobre o tema e faça um texto expondo o problema, os prós e contras da transposição e a sua visão sobre o projeto, baseando-se, também, nas discussões em sala. O trabalho será entregue ao professor e valerá nota.
[1] Este texto é uma seleção de trechos do livro Água, Urgente!, de Claudia Piccazio (Editora Terceiro Nome, São Paulo, 2007).